O Assassinato

O assassinato dos médicos no Rio de Janeiro, executados por engano, nos leva a pensar em várias questões sobre a realidade brasileira atual.

O episódio do assassinato dos médicos num quiosque numa praia no Rio de Janeiro, enquanto tomavam cerveja em horário de folga, nos leva a pensar em várias questões sobre a realidade brasileira atual. Para começar, o completo absurdo da situação, em que profissionais da saúde, em momento de ócio, são executados por engano, porque um deles apresentava semelhança física com um miliciano jurado de morte pelos traficantes. Lembro de outro atentado desses, ocorrido no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, onde um homem foi morto igualmente por engano. Num clima de humor macabro dá para imaginar a cena, o pistoleiro encontra a possível vítima, descarrega uma pistola, depois que se deu conta do equívoco, se justifica: “desculpa aí, parceiro, te confundi com um amigo meu.”

O assassinato dos médicos no Rio de Janeiro: JUSTIFICATIVAS FANTASIOSAS

Pessoas crentes em destino traçado por entidades sobrenaturais poderiam argumentar que chegara o momento predestinado para o encontro daqueles homens com a morte. Não adiantava tentar escapar. É bom consolo para quem não consegue encarar a realidade crua. O caos em que a sociedade brasileira está mergulhada. É fácil abstrair o contingente social da vida e atribuir tudo a uma ordem divina, que torna os esforços humanos inúteis.

OUTROS CASOS ALEATÓRIOS

Nessa linha de raciocínio, pode-se trazer alguns exemplos colhidos ao acaso da memória, para ilustrar a prescrição das sinas individuais. Poucos anos atrás, lia-se no noticiário policial, sobre a desdita de um homem que se dirigia de carro ao aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Errou o caminho, precisou fazer um retorno. Ao parar numa sinaleira, foi assaltado, levou um tiro e morreu no local. Também a desgraça de pai e filho que viajavam de carro de Porto Alegre a Pelotas, pela BR-116, o veículo capotou, eles escaparam sem ferimentos, voltaram para a estrada para pedir carona e foram atropelados por caminhão. Morte instantânea.

O assassinato dos médicos no Rio de Janeiro: A FALÊNCIA DA SEGURANÇA PÚBLICA

Mas, não é sempre que se pode culpar forças cósmicas pelas tragédias que assistimos diariamente. O caso do assassinato dos médicos no Rio de Janeiro é um deles. Em primeiro lugar, temos esse elemento inaceitável, que aliás já se tornou normal no Brasil: uma sentença de morte decretada por uma quadrilha inimiga. Acrescida do próprio estilo de execução: os bandidos chegaram atirando em todos os presentes, sem ao menos se certificar de que o alvo era realmente o réu sentenciado. Uma conjuntura que contraria nossas ilusões de vivermos em um meio regido por alguma norma civilizatória. Mas, o mais incrível desse lamentável ilícito é que os carrascos incompetentes foram também punidos com a pena capital pelos chefes da quadrilha, poucas horas após o crime. E isso por terem matado a pessoa errada e provocado grande repercussão na mídia.

É de causar inveja às autoridades públicas, que estão há cinco anos tentando caçar os mandantes do assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, e até hoje ninguém deu uma resposta satisfatória à população. Não estou defendendo aqui que o Estado brasileiro deva sair por aí prendendo e matando qualquer suspeito. Sem o famoso devido processo legal. Sem dar direito de defesa ao acusado. Já vivemos essa calamidade no Regime Militar. E guardamos uma lembrança muito amarga das catastróficas consequências. E ninguém em juízo perfeito deseja repetir a experiência. O que fica claro nesse evento é o estado de total falência dos serviços de segurança pública. Não há necessidade de seguir o exemplo dos bandidos. Basta uma boa dose de vontade política para reestruturar e assumir o controle do Estado brasileiro. Antes que os bandidos o façam.

Foto de Scott Rodgerson na Unsplash