Feliz Natal?!

A ânsia de poder e a necessidade do comércio alimentam superstições arcaicas e crendices populares para manter o povo entretido dentro dos shoppings e das igrejas.

Copa do Mundo acabou, agora vem o Natal. Pela primeira vez na história um sucede o outro. Os dois eventos envolvem paixões e desejos inconscientes, mas no Natal não precisa torcer para ninguém, basta acreditar nas historinhas que a gente ouve desde os tempos de criança.

Se o futebol desperta instintos atávicos, como o da competição, o Natal atende ao anseio, não menos ancestral, de todo o ser humano por seres sobrenaturais. Que vivem numa dimensão paralela, cuja função é organizar o mundo para que tudo funcione de maneira menos caótica. E para que a vida tenha algum sentido.

Ninguém suporta uma existência sem um propósito superior, de preferência incompreensível aos mortais, mas plenamente aceitável para quem se orienta mais pelos devaneios da mente do que pela realidade objetiva.

Essa obsessão por uma vida protegida por deuses é tão intensa que suplanta até mesmo a capacidade de raciocínio lógico. Até pessoas com bom nível de formação cultural se deixam enredar pelas malhas das superstições. Mas algumas delas, não sei se por constrangimento ou falha na faculdade de entendimento, apelam a recursos estranhos. Muitas vezes anacrônicos, para poder rezar com tranquilidade de consciência.

Me refiro, no caso do Natal, a algumas estratégias discursivas daqueles que costumam levar a sério a mitologia de Jesus Cristo e atribuem ao personagem uma existência histórica. Mesmo sem dispor de nenhuma comprovação séria da historicidade de alguém que pudesse ter dado origem à ficção de Jesus Cristo.

Eles continuam a entoar os hinos de louvor aprendidos nas aulas de catequese. Se negam a aceitar qualquer argumento assim como não se sentem na necessidade de procurar uma narrativa mais verossímil para suas crenças. A resposta mais comum é eu acredito porque acredito, e ponto final.

Mas, o caso mais cômico é o de esquerdistas, normalmente candidatos a um cargo eletivo. Aqueles que querem mudar o mundo, mas não se propõem a uma transformação muito radical da sociedade. Por isso precisam de valores religiosos para segurarem o povo dentro das igrejas. Esses devotos gostam de apresentar a figura de Jesus Cristo como um homem que viveu realmente, mas transformam o pobre nazareno numa espécie de militante marxista, lutando contra a opressão aos desfavorecidos.

Essa é a fantasia mais grotesca sobre Jesus Cristo, porque não há, nos quatro Evangelhos Canônicos, uma única passagem que justifique tamanho disparate. Em sentido contrário, basta lembrar da famosa sentença a Cesar o que é de Cesar para saber que o Império Romano, que dominava quase todo o mundo conhecido da época em que os fatos teriam acontecido, não corria nenhum perigo.

Aliás, para o bom leitor, aquele que lê o que está escrito, e não apenas aquilo que consegue aceitar, uma exegese intelectualmente honesta leva a conclusões bem diferentes das ditas Sagradas Escrituras.

A primeira delas é a de que os Evangelhos são uma ficção literária do século II, baseada em superstições arcaicas e crendices populares, cujo objetivo era mostrar aos crentes que as profecias do Antigo Testamento tinham se cumprido. São várias as passagens que dão base a essa teoria. Muitos dos atos e falas atribuídas a Jesus são justificados por alguma passagem profética.

O povo judeu, que se espalhara pelo mundo após a invasão de Jerusalém e a destruição do templo, no ano 70, precisava de um laço muito forte para se manter ao menos uma unidade cultural. Então, surgiu um personagem mítico para unir o povo da Diáspora.

Outro ponto que os decoradores de Bíblia ignoram é que, na época em que os romanos impuseram o domínio a todos os povos, era comum o surgimento de algum homem do povo que se intitulava messias, o mensageiro de algum deus. Historiadores contam centenas de salvadores improvisados nos últimos séculos do poderio de Roma. Todos eles tiveram o mesmo fim, morreram pregados numa cruz.

Então, digamos que alguns desses lunáticos tivessem protagonizado uma cruzada mais épica, com peripécias marcantes o suficiente para dar origem às lendas do Novo Testamento. Isso, ainda que possível, é completamente secundário. O que importa é que o Jesus da Bíblia é uma construção mitológica.

Basta avaliar os incontáveis elementos simbólicos dos atos e falas atribuídos a ele bem como o paralelismo com as mitologias de outras culturas. Todas as culturas primitivas têm um homem, um semideus, nascido de uma humana com um deus. A Grécia tinha uma legião. Uma das características mais comum a todos esses heróis é que são predestinados a salvar o mundo de alguma ameaça e morrem de maneira trágica no auge da glória.

Ressalte-se ainda, mais um fato curioso: os cristãos pregam que os deuses das outras culturas são mitologias, mas só o deles é verdadeiro. Assim como uma criança que, quando ouve a palavra mãe, jura tratar-se da mãe dela.

De tudo que foi dito, conclui-se que o Cristianismo, e por conseguinte a Igreja Católica e toda a civilização ocidental, não passam de uma fraude monumental porque está baseada numa ficção que se pretende verdadeira. Uma fraude maior do que a competência do Catar para jogar futebol.

Pelo menos o Natal será sempre um bom pretexto para ir ao shopping comprar presentes para quem está com o cartão estourado. Porque no mundo capitalista, abençoado pela igreja Católica, dar presentes é a melhor maneira de homenagear o salvador. Ou, em linguagem mais sincera, incentivar o comércio.

Como se vê, a paixão pelo Natal é tão primitiva quanto a do futebol. A sorte é que Copa do Mundo só tem de quatro em quatro anos, ao passo que as lojas de brinquedos e inutilidades precisam renovar seus estoques a cada dezembro.

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