Aristocracia do riso

O humor é uma das armas mais poderosas para se abordar temas delicados. Tem muito mais força do que o discurso doutrinário, o panfleto militante. Mas, falo do humor irreverente, cáustico, o sarcasmo que desestrutura, que aponta as mazelas da existência e os falsos valores em que as pessoas se agarram para superá-las. Muito longe da piada rasteira calcada nos estereótipos e no preconceito. É por isso que meu ídolo em termos de piadas ainda é o Barão de Itararéimagens facebook, o falso aristocrata cujo título de nobreza já é uma excelente piada. Tudo para ele era alvo da mais refinada ironia e de sarcasmo corrosivo. A hipocrisia das etiquetas sociais, as figuras públicas sagradas, nada escapava, tudo se transformava em piada. Como nos dois trechos abaixo, retirados do Almanhaque de 1955 – 1º semestre, editado em 2002 pela Edusp.

Como tratar as visitas

Nós somos contra as visitas de cerimônia, também chamadas visitas protocolares. São práticas hipócritas, que devem ser abolidas.

De fato, se recebemos alguém em nosso lar é porque essa pessoa nos merece, pelo menos, alguma consideração e estima e, então, nosso dever é tratar essa pessoa não como um ente estranho, mas como gente de casa. Ora, a gente de casa nós costumamos tratar aos gritos, aos empurrões e não raro aos pontapés. É lógico, é evidente que as visitas não gostarão muito desse tratamento. E irão embora. Paciência. Eles também não perguntaram se nós gostamos de receber visitas.
(pg. 2)

Missão papal

Um missionário estrangeiro, recém-chegado ao Brasil, falando horrivelmente uma língua que só de vez em quando, e assim mesmo com muito boa vontade, a gente poderia encontrar uma vaga semelhança com o português, promoveu uma reunião de pessoas religiosas para expor a missão de que fora incumbido pelo Sumo Pontífice.

Para servir de intérprete ou auxiliar, compareceu também à reunião outro padre que já estava há algum tempo no Brasil.

Perante um regular número de pessoas, o reverendo começou a falar:

– Carros ofintes e ofintas! Minho missôn múnto dificult…mas craça te Deus, mim vai cumprir ôrdémm a Papa…

O auditório, embora piedoso, não pode deixar de rir diante da batata, ou melhor “da papa”, que saiu da boca do missionário. Nessa altura, intervém o outro padre, pedindo  silêncio e dizendo, com ar satisfeito e feliz de quem já domina completamente a língua do país:

– Oh… zenhôrres e zenhôrras. Tesgulpeng este ermong  gue nong zape faalarr peng borduguês. Quand ermong tiz “a papa”, ele guér tizerr “o Papo”  (pg. 42)

Atualmente há uma tendência a se fazer humor com os chamados dramas do cotidiano. Porém, é uma abordagem que não vai além da superfície dos fatos, sem considerar que os conflitos que emergem no dia-a-dia são resultados de uma estrutura psicológica construída em cima de valores morais, preconceitos e limitações de toda espécie. Rir da aparência sem vasculhar sua base de sustentação é legitimar essa estrutura, na medida em que o ridículo se detém apenas na maneira como as pessoas lidam com suas mesquinhas dificuldades. É um humor moralista e simplório que tenta atacar o resultado sem mexer com as causas.

O verdadeiro humor, porém, é aquele que penetra na essência dos fatos, apresentando-os sob um ponto de vista inusitado, desestruturando as concepções do senso comum.

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