Vamos continuar usando as armas da Democracia

Vamos continuar usando as armas da Democracia

Uuuufaaaa! Que alívio! Acabou um pesadelo de quatro anos. 30 de outubro de 2022, dia histórico para todas as pessoas que anseiam por viver num mundo civilizado, uma vida orientada pela paz, a alegria, a festa, o prazer, a arte.

Num domingo com previsão de temporais, rajadas de vento, que felizmente não aconteceram, saímos às ruas para pôr fim ao período mais mórbido da história do Brasil, depois dos sangrentos anos da Ditadura Militar. Uma verdadeira provação em que o presidente da República ocupou todos os dias do mandato para espalhar o ódio, o terror, propagar a morte, a desinformação, a mentira, deixar uma pandemia se alastrar sem tomar uma única medida sanitária. Agora tudo isso será uma triste memória que servirá de guia para condução do nosso futuro.

Temos motivos para comemorar, mas não vamos nos iludir, nos deixar embriagar pelo êxtase da vitória e esquecer alguns dados importantes. Esta foi, não só a eleição mais acirrada, mas também a mais suja da nossa história recente. Nunca um candidato da situação usou tão descaradamente a máquina pública para dirigir os rumos de um pleito.

Não bastassem as muitas ameaças de um possível cancelamento das eleições, caso seus interesses próprios não fossem atendidos. Recorreu vergonhosamente à compra de votos, através de incentivos e bondades de última hora. E ainda deu respaldo a operações mais que suspeitas da Polícia Rodoviária Federal na operação de vistorias no trânsito na região do Nordeste, justamente onde o Lula desfrutava de larga vantagem de votos. Nada disso adiantou, felizmente. Os eleitores reagiram com senso de cidadania e consciência política e, pelos próximos quatro anos, podemos respirar aliviados.

Mas eis o problema. Em 2026, viveremos o mesmo sufoco. É que a sanha bolsonarista foi previamente silenciada, mas não derrotada. É bom lembrar que uma semana antes, Roberto Jefferson, um dos principais apoiadores do presidente, tendo sua prisão decretada, recebeu a Polícia Federal a bala em sua casa. Feriu duas agentes. E na véspera da votação, outra bolsonarista, Carla Zambelli, uma deputada, saiu pelas ruas de São Paulo de arma na mão atrás de um cidadão negro exigindo reparação de alegadas ofensas. Nada disso teria acontecido sem o explícito culto das armas, tão difundido pelo atual presidente.

É duro de admitir, mas há uma verdade que não devemos mais ignorar: o fascismo se instalou na sociedade brasileira como um câncer difícil de ser extirpado. E não nos permitimos mais cometer a mesma distração a que nos deixamos levar nos festejos pelo fim do regime militar.

Na inocência das almas puras, acreditamos que a praga do autoritarismo estava enterrada com a retirada de cena dos generais que, desde 1964, mantiveram a Democracia subjugada pelos tacões das botinas. Iludidos pela falta de experiência, não percebemos que os tiranetes que germinaram nos porões da ditadura se camuflaram constrangidos sob a proteção de legendas partidárias. Mas, só estavam esperando uma ocasião favorável para assaltar de surpresa as instituições do poder.

Esse momento começou a se configurar em 2013. Uma sequência de acontecimentos cujo significado mais amplo ainda carece de elucidações pelos estudiosos da sociedade, mas que abriu as primeiras frestas para a irrupção dos novos fascistas brasileiros. A partir desse ponto, começou a formar-se uma trilha de ilegalidades que seguiu com a derrubada da presidente Dilma. Um golpe vergonhoso para o Congresso Nacional e que culminou com a prisão do Lula. Uma das manobras mais bizarras de um judiciário submisso a uma onda de punitivismo moralista que se espalhou pelo país. Contando com o incentivo da mídia, o oportunismo de políticos que vislumbraram novas possibilidades de ascensão e da ignorância generalizada que se deixou arrastar por uma das mais perversas campanhas difamatórias.

O resultado de tudo isso foi a eleição para presidente do indivíduo mais insano, mais desqualificado para o exercício de qualquer cargo público. Que fez do nosso país o alvo de chacota mundial. Ele próprio um pária no cenário internacional, só reconhecido por grotescos projetos de ditador, como Donald Trump.

Não há motivos para acreditar que essa horda de adoradores do fascismo vai se recolher pacificamente aos covis de onde saíram. Ao contrário, vai continuar nas ruas apontando armas para os adversários, a baba raivosa escorrendo pelos cantos da boca.

Já vai longe o tempo em que acreditávamos nas flores vencendo o canhão. Não há mais espaço para amadorismos, mas continuamos a usar as únicas armas que sabemos manusear para combater os tiranos: o voto, a consciência de sermos cidadãos políticos e a liberdade de escolha. Com esse arsenal, combateremos a ignorância, o obscurantismo, o fanatismo religioso e a insanidade autoritária. São as únicas armas legítimas numa democracia, mas o manejo delas precisa ser exercitado dia após dia, não só no período eleitoral.

Seguiremos treinando sem parar, até 2026!

Photo by Phil Scroggs on Unsplash