Desconto de Natal

Então é natal. Mas não se preocupe, presumido leitor. Não se trata de mais uma arenga sobre amor ao próximo, afeições sublimes, votos de felicidade, chamamento à fraternidade. Nada disso. Aqui tens um discurso franco. Não vou alegar que tais sentimentos não existam. Sim, eles alimentam as almas humanas, são valiosos e louváveis. Mas é que, justamente por isso, nesta época do ano, é só o que todo mundo fala. Por isso, vou me deter apenas nas minhas impressões sobre a data mais importante do Cristianismo.Também não vou praguejar contra a sanha consumista que toma conta de todos os corações nos finais de ano, assunto que todo mundo também conhece. E o que eu sinto sobre o Natal vou declarar agora: nada. Mas não mude de site ainda, prezado leitor, esse não é mais um texto de internet falando sobre nada.  O que pretendo esclarecer é que não vejo no Natal nada diferente do resto do ano. As pessoas de quem eu gosto e que me acendem o desejo de abraços e beijos passam comigo o ano inteiro. Não vejo motivo coerente nessa espera pelo Natal para suprir carências de afagos. Por outro lado, aqueles trastes que atrapalham o meu caminho de maneira compulsória, e que jamais passarão, cuja convivência se resume a atirar um bom-dia formal, e que me provocam ímpetos de fuga, por que vou me atracar com elas em amassos forçados, fingidos, que não enganam ninguém? Não consigo entrar nessa onde de mensagem de Cristo, espírito de Cristo, e outras desculpas para comprar presente. Também não faço questão de ser presenteado, porque, em geral, essas índoles caridosas que adoram agradar os outros só ofertam a seus afetos aquilo que elas próprias gostariam de ganhar, aquilo que reflete mais o mundinho delas do que o gosto da vítima escolhida..

Não vá agora o nobre leitor me acusar de insensibilidade, de ser um egoísta. Não seja tão apressado no seu julgamento. Pra ser bem claro, adianto que aquele Jesus que está lá na Bíblia nunca me convenceu a seguir uma missão de apostolado. Mas aqueles sentimentos nobres atribuídos a ele, que dizem que foi ele quem ensinou, esses eu posso garantir que cultivo vários. Sei que vai parecer presunçoso de minha parte, mas se o messias descesse à terra hoje e me concedesse a dádiva de um bom papo, eu entraria em amigável confabulação com ele, sem ter do que me envergonhar. Já nem falo em arrependimento. É que aqueles mandamentos que o pai dele imprimiu numas pedras e enviou pra gente usar como guia, esses eu sigo todos. Quer dizer, quase todos. Confesso que, uma vez, aceitei um convite pra confirmar uma mentira deslavada em troca de um pequeno benefício. E aquela história da mulher do próximo, tenha paciência, mas esse é muito difícil de obedecer. Mas em compensação, a única coisa que matei na vida foram algumas aulas de educação religiosa na faculdade. E roubar, isso não, nunca roubei nada. Até tentaram me acusar, uma vez, quando eu era criança, só porque peguei emprestado um carrinho de brinquedo do meu primo, e não consegui devolver porque ele foi embora sem me avisar. Coitado, nem ficou sabendo que eu tinha pego o carrinho.

Apesar dessas pequenas vacilações, eu continuo crente de que, se o salvador viesse me visitar, eu abriria a ele as portas da minha casa sem nenhum temor. E ele nem precisaria se preocupar em transformar a água em vinho, porque aqui em casa sempre tem vinho bom. Francês.

Motivos para comemorar o Natal não faltam. Basta citar as músicas da cantora Simone e o show anual do Roberto Carlos. Mas a ideia que me proponho defender é a seguinte: durante todo o ano eu faço o que está ao meu alcance para viver bem com todo mundo. Portanto, não há nada de condenável em fugir da mesmice sentimentalista das pessoas óbvias. Se é para cultivar o espírito de paz e harmonia entre os viventes deste pobre mundo, e fazer alguma coisa boa pela humanidade, o bom é se retirar para um ambiente silencioso onde a gente consiga meditar sobre as coisas que fez no ano que passou e as que cogita fazer no ano que vai chegar. Sem pressa, sem hora marcada, sem frases feitas nem emoções protocolares, e sem necessidade de agradar ninguém. E principalmente, um lugar onde não haja nem rádio nem televisão.

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