E Lula Criou a mulher…

Imagem de ilustração: Isolde Bosak http://lusamemoria.blogspot.com

No começo era o caos. Os ventos uivavam sobre os morros e as florestas cobertos pelas trevas e cercados por abismos sociais. E assim foi até o final de dois mil e dois. E aí, veio o ano da Graça de dois mil e três. No primeiro dia, Lula criou a esperança no coração homens, com promessas de banir a fome da face da terra. E viu que isso era bom, rendia votos, e deu às promessas o nome de Bolsa Família. E no segundo dia, bem como nos próximos, bolou mais uma infinidade de coisas, com o propósito de espalhar a felicidade entre seu povo, e aumentar a própria popularidade. E viu que tudo isso era muito bom, e não conseguiu mais descansar, nem no sétimo dia, nem nos setecentos que se seguiram.
E assim encheu as terras brasileiras com muitas coisas novas que, aos próprios olhos, lhe pareceram uma fase de inesgotável fartura. E o brasileiro não teve mais apenas frango sobre a mesa, mas três refeições inteiras por dia. O espírito do senhor presidente inspirava no coração de todos os viventes a certeza de uma era de bonança. E com tanta riqueza, o seu rebanho cresceu, abrigou gente de todas as raças e de todas as crenças, e todos se esforçavam para falar a mesma língua.
Lula então disse: “Façamos um sucessor à nossa imagem e semelhança, e que ele reine sobre todas as coisas que eu criei”. E com o mesmo discernimento com que obrou na construção do novo mundo, escolheu entre os fiéis do seu séquito os responsáveis pela aração e cultivo da terra, e lhes disse: “Aquele que melhor honrar o cargo que ocupa será o escolhido para conduzir o meu povo ao reino da glória”.
Porém, uns aloprados, seres enormes que habitavam essa terra desde sempre, ficaram enciumados e disseram “Espalharemos a discórdia entre os brasileiros, para que se tornem corruptos e ingovernáveis”. Por isso a serpente começou a sibilar no ouvido de cada um dos lavradores que eles podiam comer à vontade de todos os frutos da planície, sem se preocupar com a fome da população. Que o quintal era muito fecundo, e que eles podiam se fartar de tanto comer. Nesse dia, eles se uniram aos agitadores e se apropriaram das árvores mais frondosas e mais produtivas. Entre os súditos de última hora, havia muitos obreiros debilitados, cuja fé era tão estéril quanto a semente no deserto. Ao ouvir sobre a nova situação, eles correram a ajudar os gigantes, e a cada mês recebiam sua cota na distribuição dos frutos. Mas eram tantos coletores subindo nos galhos, que as árvores não resistiram e vieram a baixo, e todos caíram no precipício. Ao saber da notícia, Lula disse: “Eu não me responsabilizarei eternamente pelos atos dos meus apóstolos, pois eu viverei apenas oito anos e eles continuarão por aí”. E preferiu virar as costas e fechar os olhos ao acontecido, e se preocupar apenas com o devir dos tempos.
Porém, quando abriu os olhos, não havia mais à sua volta um único sectário que ele pudesse enviar à terra prometida. Mas não se arrependeu do que fez, apenas mirou o espaço infinito à procura de alguém a quem pudesse derramar sua bênção, e que não cedesse às tentações da serpente. E pensou que os homens que se deixaram desviar do bom caminho possuíam a carne bem nutrida, mas o espírito muito fraco; e que o porvir clamava por um ser com mais integridade, uma mão mais hábil para semear, e um coração mais generoso para acolher. E por não encontrar ninguém com alma tão nobre entre os seres de sua antiga criação, Lula criou a mulher que, em seu infalível entendimento, tinha a força suficiente para libertar o seu povo do cativeiro. E contemplando sua criação disse: “Esta sim, é osso dos meus ossos, é carne da minha carne”. E ensinou a ela os primeiros passos, como cultivar o solo, como pescar o peixe no rio. E para que o todo poderoso pudesse finalmente descansar, ou talvez tentar um cargo mais condizente com sua imensa sabedoria, ela aprendeu também a entoar os cantos de louvor às coisas nacionais, para incentivar o povo acompanhá-la nessa peregrinação em busca da felicidade suprema. Ainda não conseguiu matar a serpente, e os aguaceiros ameaçam a todo instante inundar o reino. Mas o todo poderoso nunca a abandonou, e prometeu estar com ela durante a travessia do próximo dilúvio..

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