Espelho fatídico

Foto: Kym Mcleod

Na última postagem deste blog o tema era educação infantil. Ou melhor, uma estratégia fácil, traçada por alguns educadores, com o intuito de preparar as nossas criancinhas para a vida adulta. Considerando-se que dia primeiro de outubro comemora-se o dia do idoso, seria injusto ignorar alguns projetos altruístas, desenvolvidos por gente bem intencionada, visando o bem estar dos beneficiários do estatuto do idoso. É claro que, como no caso dos infantes, essa disposição se limita igualmente a enfeites retóricos no lugar de ações objetivas. Mas afinal, por que se cansar com tarefas estressantes e complicadas, se, para mudar o mundo, basta modificar o discurso sobre ele? Criar palavras ou expressões novas para renomear realidades antigas é muito mais fácil do que transformar essas mesmas realidades. Portanto, para garantir a qualidade de vida de quem já ultrapassou a casa dos sessenta anos, é mais simples estabelecer um novo estatuto retórico para a velhice do que incentivar políticas públicas para a reintegração à sociedade daqueles que conquistaram a aposentadoria. Foi assim que surgiu essa incrível “melhor idade”.
Há grandes suspeitas e fortes indícios de que esse vanilóquio adulatório foi inventado por agências de viagens, quando começaram a desenvolver programas de turismo para as idades mais avançadas. Até algumas décadas atrás, passeio era coisa pra gente jovem, e as empresas especializadas em festas e diversão ignoravam que alguém com mais de vinte e cinco anos também gostasse de se divertir. Um dia, porém, descobriram que gente aposentada não serve só pra cuidar dos netos, e pode, inclusive, sair a correr pelo mundo, em busca do tempo perdido. Então, surgiram os pacotes de viagens visando atrair essa faixa etária. E, como estratégia de sedução, a convencer os velhinhos de que eles vivem no melhor dos mundos, os agentes de turismo tramaram esse engodo verbal para persuadir suas vítimas de que, agora sim, elas desfrutam plenamente suas potencialidades e precisam aproveitar ao máximo a energia que ainda sobra.
É de se ressaltar que, na essência, essas idéias de entretenimento são até louváveis, e que não existe nada contra aos anciões gastarem o tempo e a pensão de aposentadoria em excursões de lazer. Muito mais saudável, aliás, do que serem roubados em Bingos, ou ficarem em casa, se entupindo de lixo televisivo o dia inteiro. Porém, dizer que alguém aos setenta anos está na sua “melhor idade” é ignorar os limites que a passagem do tempo impõe.
Essa retórica esconde, ainda, uma aversão à velhice. Numa sociedade obcecada pela juventude, empenhada numa busca frenética pelo corpo eternamente sadio e vigoroso, uma pessoa velha provoca uma emoção perversa de repulsa. Ela funciona como um espelho fatídico a vaticinar um futuro incondicional. A solução, então, é cobrir os cabelos brancos das pessoas com palavras coloridas e esconder os efeitos do tempo.
Formulações desse tipo demonstram, ainda, uma concepção simplista da condição humana. A melhor idade de uma pessoa é a que ela está vivendo no momento presente, seja aos setenta, aos quarenta, ou aos vinte. Pretender que, ao longo de um trajeto existencial, existe um período melhor que outro, é esquematizar uma vida com base em referenciais exteriores a ela. E é de outro modo, uma forma de ignorar que cada etapa de uma existência tem seus encantos próprios, suas dores e alegrias. É até mesmo uma estratégia de negação de uma evidência. Esconde-se com uma retórica vazia aquilo que não se pode expulsar nem evitar.
Como todo o discurso politicamente correto, o resultado é sempre o contrário do pretendido. A tentativa desajeitada de afago acaba revelando a verdadeira intenção: o preconceito e o desejo de exclusão.

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