FICÇÕES PERIGOSAS

É assombrosa a capacidade do ser humano de criar coisas novas. Dia desses encontrei, num jornal, mais uma confirmação dessa máxima irrefutável. A novidade veio da França, pais que já contribuiu com tantas e tão maravilhosas idéias para o aprimoramento da humanidade. Pois foi justamente um francês que teve uma ideia das mais mirabolantes. Trata-se de uma empresa de sequestro. Não, ainda não é a terceirização do banditismo. Assim falando, parece algo do tipo: um bando planeja extorquir um milionário, mas pretende evitar os riscos, ou não quer se estressar muito, então contrata o serviço de uma empresa especializada e pronto. Nada disso. Os clientes são as próprias vítimas. Funciona mais ou menos assim: uma pessoa deseja ser surpreendida por emoções mais fortes e viver uma experiência que a vida rotineira não lhe oferece. Então, em vez de pensar em algo mais simples, como servir de voluntária na ajuda de flagelados de algum terremoto, ou se oferecer de cobaia para testes da nova vacina contra a AIDS, por exemplo, ela contrata uma empresa que vai lhe proporcionar a fascinante aventura de ser raptada. E a coisa é de nível profissional. O maluco compra um pacote com direito a requintes de crueldade, que consiste em ser abordado na rua, jogado dentro de um carro, levado para lugar ignorado e não sabido, mantido num cativeiro onde vai sofrer todas as privações e humilhações de um sequestro de verdade. Tudo estipulado num contrato previamente assinado. E bem pago. Um detalhe interessante é que a vítima voluntária não sabe onde e quando o serviço será executado, o que torna a experiência ainda mais excitante, pois no momento crucial desse despropósito todo, ela não saberá com certeza se está tendo a solicitação atendida ou sofrendo um ato verdadeiro de violência.
Fiquei tão impressionado com o assunto que sai a comentar com todo mundo e descobri mais um exemplo de sandice da mesma natureza. Essa vem da Inglaterra. Um hotel que oferece aos seus hóspedes um serviço de extrema utilidade nos dias atuais: atentado terrorista. Ao preencher a ficha no hotel o hóspede já faz o pedido. E quando ele menos espera, ou espera, mas não sabe quando vem, o quarto é invadido por homens armados com todo arsenal de guerra possível de ser carregado nas mãos. A vítima, sob ameaças, humilhações e xingamentos, é trancada numa peça escura, e mantida na mira de metralhadoras e fuzis. O cenário também é preparado com esmero. Helicópteros sobrevoando o hotel, gente disparando pelos corredores, gritos, sirene de polícia. Tudo de brincadeira. E a exemplo dos franceses, aqui o freguês também não sabe se esse é o serviço contratado ou um ataque de verdade.

Isso me lembrou de um conto de Moacyr Scliar, intitulado Bandido. Não sei se o nosso imortal conheceu alguma dessas empresas exóticas, mas a situação ficcional é bem parecida. Um clube social oferece um serviço muito emocionante aos associados. Há um empregado na casa, cuja função é contemplar os sócios que ainda não tiveram o privilégio de sentir os arrepios provocados por um assalto. O mimo é opcional, evidentemente, e sob solicitação prévia. O delinquente improvisado se põe de tocaia no estacionamento e quando chega um frequentador do clube, ele aparece de revólver não mão, anuncia o ataque. Mas a arma é de plástico, o espoliado, derruba o falso marginal no chão, dá-lhe uns pontapés no rosto e vai ao encontro dos seus parceiros, jogar carta.

Enquanto a brincadeira consistir em um prazer masoquista, tudo bem, cada um se diverte como pode. O problema é se algum dia alguém resolve inverter a situação. Quer dizer, brincar de ser um terrorista, ou um sequestrador. Aí a coisa pode não ser mais tão divertida. Pelo menos para quem ficar na posição passiva. E aqui me vem à lembrança mais um exemplo muito interessante: o Alex, do livro/filme Laranja Mecânica. Ele passava as noites perambulando pelas ruas, com um grupo de amigos, praticando todo tipo de abuso: furto, espancamento, estupro. Os pais tinham condições de lhe dar tudo o que ele precisava para viver. Mas, roubar e espancar pessoas era muito mais divertido.

Li em algum lugar, mas não lembro mais onde e nem quem escreveu, que a humanidade está passando por um processo bem acentuado de infantilização. Pode ser que os adultos tenham se cansado dos brinquedos tradicionais feitos para eles, e inventaram outra brincadeira: fazer de conta que são crianças brincando de gente grande. Seja qual for a explicação, uma coisa parece claro: a vida real está deixando de ser prazerosa e está cedendo lugar a simulacros muito extravagantes.

Escrever Comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados *