Futebol e política

Divagações de um pensador que não gosta de futebol mas se esforça por entender a política.

Futebol e política: não gosto de futebol, logo, não assisto nem jogos pela TV. Nunca fui a um estádio. Nunca sei nada sobre campeonatos, portanto, não entendo bulhufas sobre o assunto. Mas, não perco os jogos da Copa do Mundo, principalmente, claro, os da Seleção Brasileira.

Há uma crença geral de que futebol e política não se misturam, coisa de que tenho cá minhas dúvidas. Evidente que eleitores de partidos opostos podem se abraçar fraternalmente e esquecer rivalidades partidárias na hora da vitória de uma equipe esportiva. Mas a questão é mais profunda do que uma simples preferência.

Estas divagações nasceram durante a partida de estreia da edição de 2022, a disputa entre Catar e Equador. Quis o destino que, no Brasil, as eleições gerais para Presidente da República, governadores e deputados caíssem no mesmo ano da Copa do Mundo e como o brasileiro é o povo mais sentimentalista do planeta, tudo aqui assume dimensões muito dramáticas, as coisas sempre se misturam. Não tem como evitar. Então, as convergências já começam por aí.

Não é segredo para ninguém o uso político que os militares fizeram da vitória da gloriosa Seleção de 1970, auge do período da ditadura. Também é sabido que os grandes ídolos daquela época simpatizavam com o regime mais cruel e sanguinário da história republicana do Brasil. Alguns até defendiam. E esse é um aspecto dos mais lamentáveis no esporte mais popular do mundo, e que se manifesta ainda hoje.

Na campanha eleitoral deste ano, vimos muitos dos jogadores de grande destaque em campo, em manifestações explícitas de apoio à reeleição do atual presidente. Essa caricatura tupiniquim do fascismo. Sem dúvida nenhuma o mais perverso, o mais incompetente, dos políticos brasileiros depois da redemocratização.

Causa até certa repugnância ver as imagens do craque Neymar com uma faixa na cabeça escrito 100% Jair, quando a gente lembra de outra que ele usou pouco tempo atrás com a legenda 100% Jesus. Considerando-se que o presidente Jair é também Messias, a insinuação de um presidente como salvador da pátria é evidente. E, revoltante.

Tenho dúvidas se um sujeito como o Neymar é capaz de influenciar voto de alguém. Ainda mais que os eleitores do Bolsonaro odeiam futebol, porque eles preferem que o dinheiro investido no financiamento das competições seja aplicado na saúde, educação, etc. Na santa ingenuidade que lhes é peculiar, eles acreditam que o sucateamento dos serviços essenciais no Brasil é consequência da falta de dinheiro. Quanta inocência!

O fato é que o apoio de alguém com projeção internacional deu publicidade. E de certa forma é uma tentativa de naturalizar as truculências do governo que promoveu a mais terrível destruição das políticas públicas brasileiras.

A copa deste ano será distinta de todas as outras, em primeiro lugar pela data. A primeira, talvez a única, a ser realizada nos últimos meses do ano. Fato que quebrou aquele ritual de inverno, quando a gente se sentava na frente da TV, cheia de roupa, com um pote de pipoca ou amendoim para torcer.

Depois, o país sede, de religião muçulmana, o que causou grande modificação na rotina dos jogos. Para começar, a proibição de consumo de bebidas alcoólicas. Nenhum futebolista do mundo ocidental consegue sequer imaginar assistir a um jogo de futebol, seja pela TV ou ao vivo, sem um copo de cerveja na mão. Pois este ano é de bico seco.

Mas, o que mais chamou a atenção no primeiro jogo foi o público. Mais precisamente, a ausência do público feminino. Quando a câmera mostrava a torcida do Catar, não adiantava procurar um rosto feminino na arquibancada. Toda ela ocupada só por marmanjos barbudos. Na torcida do adversário, o Equador, tive a impressão de vislumbrar o rosto de uma corajosa torcedora, mas nem de longe se parecia com o público de anos anteriores.

Cheguei a sentir saudade da copa de 2014, realizada no Brasil. Mas não pelo fatídico resultado de 7 x 1, evidentemente. A nostalgia que se abateu sobre mim foi provocada pela lembrança das torcedoras da Holanda e da Croácia. Inesquecíveis!

Outro aspecto curioso é que a última vitória da Seleção Brasileira numa Copa do Mundo foi a conquista do pentacampeonato, em 2002, ano em que o Lula venceu a eleição para presidente pela primeira vez. Agora o Lula foi eleito de novo. Caso que, para os torcedores com tendências ao misticismo, pode alimentar uma esperança de os nossos garotos saírem do Catar com a taça do Hexa.

Tenho uma leve impressão que o povo brasileiro vem perdendo o entusiasmo com a nossa seleção, principalmente depois do fiasco de 2014. A vergonha pesou mais ainda por ser o Brasil o anfitrião de tão importante certame.

Mas, a aversão ao escrete canarinho, como se dizia antigamente, se tornou mais ampla e forte depois que os eleitores do Bolsonaro se apropriaram da camiseta verde-amarela e a transformaram em um símbolo do fascismo tupiniquim. Hoje muita gente se sente constrangida em reverenciar os símbolos da pátria, por medo de ser confundida com aqueles que clamam por uma intervenção militar e pela volta da ditadura. E o pior é que esse alinhamento com a extrema-direita atingiu alguns membros do grupo auriverde, o que justifica o desânimo que substituiu o entusiasmo de anos anteriores.

Por outro lado, vejo que seria uma ótima oportunidade para recuperar aquela paixão de outrora. Aquela relação tão íntima entre o brasileiro e seu time preferido. E, apesar de a maioria dos atletas serem apoiadores do presidente derrotado, sempre se pode fazer uma ligação entre a vitória no Catar como uma homenagem ao presidente eleito de novo.

Esse é um desejo meu, e talvez por isso eu continue acreditando e torcendo pela nossa tão celebrada Seleção Brasileira de Futebol. Mesmo que meu interesse pelo esporte só se manifeste de quatro em quatro anos. E apesar do engajamento ideológico dos jogadores. Assim é o futebol e a política.

Photo by Gustavo Ferreira on Unsplash