Maioridade intelectual

Li em algum lugar que a espécie humana está a cada dia mais infantilizada. Infelizmente, não guardei dados da fonte dessa leitura, nem o foco da abordagem. Mas imagino que se trate de algo que observei há algum tempo. A irracionalidade tola com que as criaturas se lançam contra ou a favor a qualquer coisa. Uma provável deturpação da liberdade de expressão, essa conquista maravilhosa do mundo contemporâneo.  O problema é que muita gente confunde fazer barulho com se expressar, e se põe a falar e fazer sandices desprovidas de qualquer critério de avaliação. E o resultado é uma relação pateticamente emocional com as adversidades cotidianas, um clima de histeria coletiva onde a base dos posicionamentos é um devaneio puramente moral. E a gente tem que aceitar tudo como manifestação legítima

Num país onde se cria lei pra tudo, seria interessante se algum bem-intencionado deputado apresentasse um projeto de redução da maioridade intelectual. Seria mais ou menos assim: a partir de determinada idade, muito bem definida em intensas discussões em assembleia, seria proibido ao cidadão proferir essas estultícias sem o menor embasamento teórico ou minimamente racional. E dependendo do contexto, seria exigido um nível mínimo de conhecimento sobre o assunto escolhido pelo indivíduo para alardear sua palurdice. Por exemplo, um palpiteiro qualquer, antes de cometer uma leviandade, precisaria não só conhecer o contexto ao qual se refere, mas também ter certeza de que não está cometendo um absurdo lógico.

Sei que isso pode parecer perseguição ou mesmo censura, já que com uma lei dessas, os comentaristas dos telejornais brasileiros e principalmente os convidados a dar depoimentos em debates, seriam banidos da mídia. Mas basta pensar no grande número de asneiras de que nossos ouvidos seriam poupados para repensar nossas noções de cerceamento.

Nessa lei, haveria ainda um artigo determinando que até atingir a maturidade necessária para atuação em público, todo aquele que quisesse extrapolar sua estultice deveria antes passar uma temporada no jardim de infância dos debates intelectuais: as redes sociais. Nos limites virtuais desse paraíso das gafes, o aprendiz de inteligente estaria livre pra se entregar a qualquer impulso, por mais primitivo que fosse, e espalhar à vontade o produto de sua incurável inépcia.

É bem verdade que o problema da idade intelectual no Brasil é antigo. Temos exemplos de senhores de destacada posição na sociedade do começo do século vinte que já sofriam os males do retardamento da inteligência. Havia até um que, não conseguindo conter a própria burrice nos limites de sua privacidade, andava pelos palanques políticos gritando que questão social era casso de polícia. Tamanha era a convicção com que o lunático cidadão propagava sua ignorância, que ainda hoje existe uma legião de seguidores de suas patranhas. A versão atual dessa insânia é a redução da maioridade penal. Todas as pessoas que vivem na infantilização do entendimento acreditam que o problema da violência no Brasil é falta de cadeia e se aumentar o número de presos a criminalidade diminui. Parece pegadinha das brincadeiras infantis, mas é disparate apresentado como raciocínio. Os defensores desse desatino não têm culpa, claro, pois não atingiram ainda a idade de discernir nem mesmo o que é um raciocínio, quanto mais o conteúdo dele.

E por falar em maioridade penal, seria inevitável que as mentes com distúrbios cognitivos viessem a público propor a reclusão de menores infratores como instrumento para colocar o país novamente no rumo da civilização. De minha parte, confesso que vejo essa ideia com certa resignação. Caso a lei seja aprovada, pretendo processar meu vizinho de 1 ano de idade. Esse contraventor das regras do silêncio em condomínio abre um berreiro insuportável todas as madrugadas. Em uma investigação cuidadosa descobri que o meliante dorme o dia todo. Ora, se tem idade pra dormir, tem também para saber que os vizinhos precisam descansar.

Já que a maioridade intelectual é só um sonho, espero pelo projeto de maioridade penal que tramita no Congresso e é discutido e analisado por especialistas de tão profundo entendimento como os políticos. Enquanto isso, fico por aqui, tentando dormir direito, e me mantenho na minha estranha mania de refletir sobre as coisas antes de me pronunciar sobre elas.

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