Futebol e Política 2 – O Retorno

O ESTRANHO CASO DOS ISENTOS QUE SE MANIFESTAM SEMPRE EM DEFESA DA EXTREMA DIREITA

Volto a falar de futebol e política por exigência do próprio tema. E também por um pouco de irritação com a turma dos pretensamente isentos. Me refiro a uma galera que se tem por muito sábia, vive numa eterna pose de equilíbrio de quem atingiu o ápice da sabedoria e não se deixa arrastar pelas paixões momentâneas.

É essa mesma gente que saiu em defesa do Neymar quando ele foi massacrado com críticas contundentes por causa de pronunciamento em apoio à reeleição do atual presidente. Os supostos isentos alegam que se deve separar a atuação no campo e a preferência política.

Digo pretensos porque há uma evidência inegável: esse pessoal só aparece clamando por isenção quando as broncas aos atletas implicam em invectivas a um lado específico do espectro ideológico. Sempre o mesmo, a saber, a Extrema Direita. Só isso já é suficiente para colocar em dúvida essa jactância que se pretende equidistante dos extremos.

Mas, também aparece nitidamente uma concepção errada do que seja política. Para esses defensores do distanciamento crítico, a atividade política se restringe a apertar um número na urna no dia da eleição. Nada mais simplório. Como o próprio vocábulo indica, política vem de polis, o espaço público em que os gregos atuavam para a administração da vida coletiva. Tudo o que o cidadão faz nesse âmbito da vida comunal é político, seja a profissão que escolhe, até a maneira como trata seus semelhantes. Tudo é política.

O que dizer, então, de um esporte que arrasta milhões de pessoas e movimenta outros tantos milhões de dólares mundo afora? Quando um atleta se destaca em alguma especialidade, adquire projeção internacional, tudo o que ele faz, as coisas que fala, até a maneira como se veste, influenciam na mentalidade de seus fãs. O que lhe dá um grande prestígio, quando não um poder de persuasão.

A partir desse momento, ele desenvolve o dom de servir de guia, pelas escolhas que fizer, suas declarações, a adesão explícita a uma corrente ideológica. Tudo tem o condão de alterar a conduta de uma legião de seguidores. Por isso, quando um craque como Neymar aparece em vídeo declarando apoio irrestrito à variante brasileira do fascismo moderno, ele está usando o prestígio que adquiriu no esporte para interferir na escolha eleitoral de seus admiradores. É um caso típico de uso da fama para fins políticos.

Se isso teve ou não efeitos práticos, no sentido de número de votos conquistados pelo candidato à reeleição, é uma questão secundária. O que importa é o valor simbólico desse gesto. Aquele que o público assimila sem se dar conta: a transformação da eleição para presidente da república numa mera partida de futebol. Onde ganhar ou perder são apenas momentos internos da lógica do próprio jogo e não vão além da alegria ou tristeza passageiras dos torcedores.

O problema é que a escolha de um presidente da república envolve questões muito mais sérias do que isso. É o destino de uma nação que está em jogo. O combate à miséria e às desigualdades sociais, às injustiças às quais a maior parte do povo brasileiro se submete desde sempre. Apoiar um presidente é optar pela importância que será dada a todas essas questões.

É bom lembrar também o potencial político dos campeonatos mundiais. Muita gente aderiu ao discurso do boicote aos jogos da copa de 22 por ser realizada num país onde os Direitos Humanos são ignorados. As mulheres são tratadas como seres inferiores, os homossexuais são perseguidos sem trégua por um regime obscurantista. Mas, basta ver os atletas que expressaram repúdio a essa mentalidade arcaica para se avaliar a questão por outro ângulo.

Nenhum indivíduo, em outra situação qualquer, faria uma manifestação contra o regime do Catar e sairia com vida do país. Viu-se ainda o caso dos jogadores do Iran, país que também vive um regime de exceção. Eles não poderiam fazer no próprio país o protesto que fizeram na estreia da Copa.

Em resumo, qualquer atividade realizada coletivamente pode, e às vezes deve, se transformar em ato político. Não existe neutralidade quando se atua no espaço público. O que existe é omissão de quem não se importa que as coisas continuem como estão. Mas, se sente constrangido de assumir uma postura censurável aos olhos da maioria. Acontece que a simples neutralidade já é uma tomada de posição em favor da situação predominante.

Voltando ao garoto Neymar, é muito natural que as críticas a ele extrapolem os limites dos estádios, onde ele atua com louvor, quando não está caído no chão, é claro. Não se pode esquecer que o próprio jogador rompeu esses limites ao ter um comportamento condenável como cidadão, acusações e processos de sonegação fiscal, e casos de estupro. Para quem acompanha as notícias esportivas, é possível concluir que Neymar se sente imune aos rigores da lei ao praticar esses delitos. Dada a tão conhecida arrogância, típica de um ego infantilizado, uma criança mimada a quem tudo é permitido. O que os imparciais de plantão não percebem, ou fingem que não existe, é que a condenação do atleta se dá, não por causa da orientação política deplorável. Senão por um conjunto de atitudes que o torna indefensável por qualquer um que saiba avaliar a dimensão política de qualquer evento público. Inclusive, e principalmente, do futebol.

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