O Herói e o Messias

Heróis e messias, dois tipos de personagens que habitam na imaginação popular desde os primórdios da humanidade. Os heróis são semideuses, detentores de vigor físico, mas sobretudo, dotados de invencível força moral, intrépidos diante dos maiores perigos, impassíveis frente a qualquer ameaça. Normalmente o herói tem uma única missão a cumprir: ser herói.

Já o messias é um ser de ascendência divina, concebido e gerado nas esferas celestiais e enviado à terra para redimir a humanidade, salvar essa legião de pecadores que comprometem a obra maravilhosa do criador, uma gente muito fraca, que não dispõe de temperança moral e se entrega a todo o tipo de descaminho.

Esses avatares costumam aparecer em momentos de crise, aqueles em que um país ou uma civilização está em profundo debate sobre os valores que sustentam suas bases. E em nações com fraca experiências de voto, não há momento mais crítico do que as eleições para escolher o chefe de governo federal. Desde que os brasileiros ganharam liberdade para decidir seu próprio destino, não parou de se questionar sobre o melhor caminho a seguir. Muitos até insistem em voltar ao sistema antigo, quando a gente se limitava a esperar que as ordens chegassem de cima para obedecer calado e de cabeça baixa.

Foi então que começaram a surgir os messias para conduzirem seus seguidores nos rumos da salvação e da bem-aventurança. Já, o primeiro, chegou causando grande furor nos espíritos crédulos dessa população tão disposta a crer em qualquer promessa de consolo. Mas, logo na entrada já se percebeu que não passava de um messias fajuto, não fora enviado por nenhuma entidade sobrenatural, mas sim pelas forças ocultas que sempre exerceram o mando e não aceitaram de bom grado a independência dos brasileiros para escolher seus governantes. Como é sabido, ele não durou muito.

Mas o Brasil é o reino da bizarrice e aqui a história acontece uma vez como farsa e a outra como lenda. Pois em 2018, ano de eleição, o Brasil estava mergulhado nas trevas do caos, a patuleia ensandecida em êxtase catártico, às raias da loucura, embevecida no próprio veneno, completamente cega, entregue à orgia do pecado. Gente que fazia sexo, assistia a Globo e votava em partidos de esquerda. Sim, até o comunismo era venerado por essa malta de alucinados.

Eis então que os anjos do céu se reuniram em assembleia extraordinária e enviaram um novo messias para salvar estes sofredores, tão perdidos e maltratados. Porém, não perceberam os seres angelicais que no Brasil já havia um herói, lutador incansável pela redenção de todos os males, um cavaleiro que empunhava uma espada forjada na têmpera de Hefesto – ou Vulcano, conforme a orientação grega ou romana. Esse bravo guerreiro também nutria ilusões de galgar os níveis mais altos da escada que leva ao poder central, ele também disposto a cortar o mal pela raiz.

De início, não houve problemas, eles se uniram no combate do mal, tudo ia bem, um dando cobertura ao outro, auxiliavam-se na recuperação das ovelhas desgarradas desse país tão assediado pelos fraudadores satânicos; um sugeria uma coisa, cedia outra. Mas, o herói nunca abandonou seu desejo inicial de conduzir sozinho o rebanho até a terra prometida, e arrogava a si mesmo o privilégio da precedência, pois já laborava com afinco nestas plagas, caçando ogros e todas as espécies de monstros que infernizavam a vida dos habitantes.

Tendo tomado gosto pelo poder, um espírito maligno saiu das profundezas do Hades para incitá-lo a se livrar da influência do outro, para poder mais tarde voltar sozinho. Só não podia provocar uma briga em que o adversário saísse com algum crédito. Diga-se que esse séquito de crentes idolatrava os dois como se fossem uma pessoa só, o corpo e a alma do bem, como naqueles sincretismos em que dois seres perdem as identidades originais e passam a agir como um ser único. Mas, não tardou para que o herói passasse a acreditar ser o maior responsável pela fé que a multidão tinha no messias, e só esperava uma situação favorável para se livrar do parceiro, uma saída estratégica, em que pudesse manter, ou até reforçar, a imagem de homem íntegro.

E essa oportunidade apareceu quando o messias se descuidou um pouco da missão sagrada e utilizou seus poderes messiânicos para atender as necessidades mundanas dos filhos, coisa que em qualquer panteão é um crime imperdoável. E não adiantou recorrer aos deveres sagrados para com a família, valores que ambos sempre defenderam, o herói não se sensibilizou com os cuidados paternais de seu colega missionário e, como um judas redivivo, entregou o messias ao ódio dos fariseus.

Como bem calculara o precavido herói, grande parte dos antigos fieis da dupla começou a praguejar contra o outro, ameaçando-o com pedras, lançando na cara do salvador os mais graves insultos. Fez-se então o cisma, em que os apóstatas não hesitaram em seguir o herói, prometendo acompanhá-lo até que o mal seja varrido da face da terra. Não há necessidade de ser um profeta iluminado pela verdade divina para cogitar os próximos acontecimentos.

Não demora muito, o messias estará pendurado na cruz do anonimato, e o herói, na qualidade de verdadeiro ungido, subirá aos céus antes mesmo de morrer, sem o milagre da ressurreição, portanto. E o povo continuará entoando um Hosana ao líder máximo porque, apesar da permissão, ainda não aprendeu a se orientar por conta própria.

Photo by Jon Tyson on Unsplash