O jeca e o passarinho

Minha relação com a tecnologia tem evoluído a duras penas. Mais ou menos assim: eu me defendo bem nos recursos de que preciso, e aquilo que não me faz falta eu ignoro. Daí que esse utilitarismo de minha parte acaba sempre em conflito. Cada vez que vou arar novas terras que requerem novos conhecimentos, lá vou eu começar tudo de novo, consultar manuais que não me ajudam em nada. Não é raro eu me ver penando para aprender coisas que qualquer criança sabe fazer sem nem se concentrar.

Esse estilo meio jeca de viver à margem das novidades tecnológicas certamente é fruto de uma formação que não escolhi, mas que não faço grandes esforços para superar. O problema é que, às vezes, eu tento alçar voo por ares nunca dantes sobrevoados por mim, e aí me vejo em apuros, com minhas aselhas de espantar mosquitos. Foi assim quando decidi levar a sério essa mania de ser escritor. Lá no começo da brincadeira, vislumbrei a possibilidade de ir conquistando meus primeiros leitores na blogosfera, e pra isso dei meu primeiro passo no mundo virtual. Mas um blog precisa ser visitado, senão é apenas uma gaveta eletrônica. E para divulgar o blog – eu ouvia as instruções – a melhor coisa hoje são as redes sociais. De início, minha repulsa foi instantânea, mas, assediado por tantos convites de ingresso, cedi. Embora tenha recebido vários conselhos para conhecer o tal twitter, limitei minha excursão ao facebook, porque, para mim, é impossível falar qualquer coisa com menos de cinco mil caracteres. Pelo menos alguma coisa que mereça ser dita.

Mas escrever é um vício que vira dependência que a gente não quer curar, pelo menos até ingressar no círculo das altezas. E há que se conhecer a língua dos viciados para planar entre eles.  Foi nesse momento que percebi que minhas asinhas não me levariam às dimensões altaneiras que eu almejava. E a menos que se tenha vocação dos beija-flores, de ficar aspirando o perfume das flores mais vistosas, não adianta adejar sobre jardins alheios, por mais espampanante que eles sejam. Emplumado com tais argumentos, com o propósito de desfraldar minha criatividade, pedi ajuda a uma orientadora de voos, dessas que as celebridades chamam de assessora de imprensa, e que os pobres iniciantes têm como se fosse uma professora primária. Ela que nos diz o que, como e quando fazer alguma coisa. E a primeira ordem que ela deu: tens que abrir uma conta no twitter, aquele do passarinho. Na verdade, essa foi a segunda. O fim da minha autonomia foi anunciado quando ela disse que eu precisava ter um celular, mas isso todo mundo me diz, de maneira que eu já nem considero, nem ouço.

Houve um tempo em que passarinho era apenas um bichinho inofensivo, cuja maior travessura consistia em roubar a medalha de algum conde distraído. E isso dava noticia de jornal e uma bela crônica. Mas, em tempos de ditadura da tecnologia, não existem mais condes, e o passarinho virou símbolo de uma ferramenta de trabalho para um escritor, assim como as máquinas de escrever, nos tempos dos condes.

Mas, como disse a minha nova guia, quer voar, é melhor seguir as ascendentes térmicas e evitar turbulências. Não é inteligente desasar-se por aí em rotas originais, que o risco é o alçapão do anonimato e do isolamento. E assim, para usufruir da volatilidade dos tempos, consenti em tuitar.

Hoje, pousado aqui neste final de 2013, olho para frente e vejo um 2014 com expectativas de novas altitudes. Como não tenho vocação de Ícaro, e aprendi desde cedo que voar é com os pássaros, vou seguir os conselhos da minha instrutora, e tentar acompanhar o bando de tuiteiros. Até já andei espiando por lá, e vi umas águias com frondosas asas a ostentar plumagens coloridas. Sei que esses passarão sem notar o novo passarinho. Paciência. Vou me manter na minha condição de rameiro por enquanto até poder me pavonear sozinho. Difícil vai ser aprender a dizer alguma coisa com cento e quarenta caracteres. Mas, estou convencido de que um dia a gente precisa quebrar a casca das limitações que nos protegem e abandonar o ninho. Até onde eu vou conseguir chegar, isso eu não sei. Mas suspeito que uma das próximas providências vai ser comprar um celular. Seja o que deus quiser. .

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