O Sétimo Membro

Imagine uma reunião social, onde cavalheiros de destaque na comunidade usam as braguilhas abertas. E de dentro de suas calças, saltam enchimentos volumosos de tecido vermelho, numa intenção clara de ostentar a comprovação de suas virilidades. Não é uma cena de filme pornô. Isso já foi um hábito em séculos passados. Pelo menos é o que nos conta David M. Friedman, no livro Uma Mente Própria: A História Cultural do Pênis, publicado no Brasil pela Objetiva, com tradução de Ana Luiza Dantas Borges.
Não sei se o autor andou pelas praias brasileiras, onde rapazes sarados soltam suas fantasias de masculinidade guardando o celular dentro da sunga, numa estratégia infantil de despertar gulas alheias. Mas o universo pesquisado para composição dessa obra é imenso. Vai desde os tempos primitivos, quando o mundo era coberto por uma neblina mística e o pênis era venerado como um símbolo da potência de fecundação da terra pelos deuses, até os tempos atuais, em que a ciência é a deusa a quem os homens dirigem suas preces para manterem seu orgulho em alta.
O ponto de partida é uma suspeita que o autor tenta confirmar: algo na mente do homem ocidental causa um certo desconforto em relação ao seu pênis. E para desvendar esse mistério, ele vasculha os vários discursos construídos sobre o que ele chama de “órgão definidor do homem”. E nessa busca, ele encontra o instrumento divino de fecundação; a vara do demônio medieval, em que o pênis era o causador de todos os males sobre a terra; o pênis psicanalisado da retórica freudiana; o instrumento de opressão política das feministas; e por fim, a máquina desmontada e remontada dos urologistas dos dias de hoje.
São vários os enfoques e muitos os pontos dignos de atenção, mas limito-me a apenas três. O primeiro é uma curiosidade sobre a pederastia grega, que consistia, segundo o autor, num artifício no processo educacional, mais relacionada com a pedagogia do que com o sexo. O amor pelo conhecimento ia além das lições formais, e nos momentos de maior compenetração, o professor passava ao seu aluno os principais valores da Aretê grega, virilidade, coragem, responsabilidade, qualidades que orientavam a relação do homem com os deuses. Nessas ocasiões, quando o mestre aprofundava com maior empenho a alma virgem de seu discípulo, o jovem era tocado pelos deuses ao receber do ancião o sêmen, considerado uma seiva sagrada. O pênis, por ser o portador do líquido vital, era um órgão divino e, além de ser a medida do homem grego, intermediava a relação com os deuses.
Outro ponto digno de nota é o que, talvez, tenha sido a primeira tentativa dos cientistas de chegar ao que hoje se chama cura gay. Para quem acha que o pastor Marco Feliciano andava sob o efeito de algum surto psicótico, fique sabendo que ele apenas retomou, no âmbito legal, o que alguns homens, menos caricatos e mais dedicados à ciência, tentaram fazer no começo do século XX. Eles acreditavam que os testículos dos homossexuais eram defeituosos e transportavam determinadas células femininas que definiam o desejo sexual. Então, a solução era simples, bastava transferir os órgãos de um hétero para um homo, e o paciente passaria a gostar de mulher daí em diante. O problema é que a submissão ao tratamento não era escolha dos pacientes e, com o tempo, a experiência se revelou tão sem sentido quanto o projeto do pastor brasileiro.
A viagem de David Friedman acaba com o pênis redesenhado pela ciência moderna, e a obsessão masculina, neste século XXI, pela ereção perfeita e infalível, conquistada com drogas e cirurgias corretivas. E o terceiro ponto a ressaltar é a insinuação de autoridades do campo da urologia de que essa corrida aos consultórios médicos seria uma reação às conquistas feministas. Com as mulheres ocupando todos os espaços que antes eram exclusividade dos homens, e a tecnologia substituindo os músculos para tarefas que exigem a força física, não sobraria ao ultrapassado homem, na ânsia de manter um pouco de integridade de sua honra, senão ostentar algo que só ele consegue, uma façanha que nenhuma mulher ousaria tentar: uma ereção digna de inveja.
No final das contas, a conclusão a que se chega pode ser resumida num comentário do autor a uma teoria atribuída a Freud: o pênis não importa mais como um fato biológico, e sim como ideia, ou seja, como ele é vivido pelo indivíduo. Isso implica que o pênis, como tal, é apenas um órgão inofensivo, como qualquer outro do corpo humano. Todos os transtornos que ele causou foram resultado dos mitos que a humanidade criou, colocando-o como o centro de todo o universo masculino, o sétimo membro em torno do qual giram as pernas, os braços, a coluna vertebral, e a cabeça. .

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