QUESTÕES DE EMERGÊNCIA: FUNDAR UM PARTIDO

Alguns anos atrás fui contagiado por um surto de patriotismo, esse sentimento que o Lima Barreto definia como uma religião. Tão violento se mostrou o ataque que me dispus a contribuir para o progresso do nosso tão amado país e pensei em fundar um partido político.

Eram os tempos do Brasil emergente, e o nome que me veio a calhar foi o acróstico POBrE: Partido da Organização do Brasil Emergente. Note-se que, além do acesso de amor à pátria, às vezes também sou achacado por crises de inspiração poética. Não me ocorreu nada mais adequado naquela ocasião em que batíamos a própria Inglaterra em termos de crescimento econômico e galgávamos a sexta posição entre as economias mais ricas do mundo.

Nunca tive muita certeza sobre os critérios dessa avaliação sobre o potencial desenvolvimentista do Brasil, mas as autoridades competentes afirmavam, os noticiários televisivos e os jornais mais respeitados do país repetiam, e eu não tinha competência nem disposição para duvidar, muito menos contradizer. Então, conspurcado pela ideia ufanista de progresso decidi, eu também, embarcar no bonde da história. Se minha contribuição fosse tão modesta a ponto de não acrescentar nada ao movimento já tão acelerado de nossa economia, pelo menos, esperava eu, poderia oferecer vantagens a mim mesmo. Pois, compartilho aquela crença do grego Aristóteles de que fazer o bem si mesmo é uma maneira de contribuir ao bem coletivo, visto que todo o indivíduo faz parte de alguma comunidade e o bem de um acarreta necessariamente o bem dos outros.

O título, como já mostrei, seguia o padrão nacional das agremiações partidárias, uma sigla contendo a descrição resumida do ideário político, mas até isso tinha um desígnio social, intenção de criar uma identidade política voltada aos mais necessitados, sem, no entanto, esclarecer muito bem em que consistiam as tais necessidades que me dispunha a combater. Também havia uma propensão ao marketing, pois é sabido que todo pobre gosta de pensar que é emergente, e basta que alguém lhe dê uma oportunidade ele já começa a se portar como tal.

Então, instava que eu me preocupasse com uma possível estratégia de campanha. Crente de que todo indivíduo em ascensão, real ou imaginária, adora comprar tudo de que não precisa, desde que o produto esteja em promoção, em que ele pode viver a experiência de levar alguma vantagem, normalmente a única na vida, empenhei-me em uma peregrinação pelas lojas da cidade, com preferência por aquelas que vendem artigos mais populares, de natureza emergencial,  como aparelhos de televisão de tela plana, 60 polegadas, smartphone de última geração, tênis da Nike em liquidação por 800 reais e por aí vai.

Solicitei uma parceria prometendo, nos meus comícios, dar um jeito de falar que eu tinha o patrocínio daquele estabelecimento, e que lá se comprava tudo no crediário a perder de vista, tudo pelo preço à vista. A proposta deixava uma insinuação, não muito direta, para não me comprometer que, sendo eu eleito, a referida casa poderia ser beneficiada por algum projeto de minha autoria.

Claro está que o referido patrocínio não era apenas fictício, o lojista, se quisesse se alinhar às causas defendidas pelo meu partido, precisava demonstrar sua boa vontade em forma de doações de campanha, tudo muito bem declarado nos órgãos oficiais para não me acusarem mais tarde de desonestidade, defeito que nunca tive, nem em sonho.

Mas, esse sopro criador não vingou porque era, como já disse, a época do novo milagre brasileiro, ventos mais fortes sopravam a nossa economia com tamanha intensidade que o comércio andava distribuindo mercadorias quase de graça para a maior parte do meu eleitorado em potencial. Era uma nova versão dos tempos do encilhamento, aquele período tão bem descrito por Machado de Assis como sendo um momento que o dinheiro, quando não caía do céu, brotava do chão.

Não houve tempo hábil para traçar novo plano, por isso não cheguei nem a concorrer, mas nunca passou pela minha cabeça desistir dos meus propósitos. Mas chegou o ano de 2020, e com ele as novas eleições para prefeitos e vereadores trazendo outras as emergências. O meu possível eleitor de antes, vivia então hipnotizado pelo Auxílio Emergencial, arisco e refratário a qualquer tentativa de inclusão social, vista como ameaça comunista.

E isso que o tornou desconfiado até com a vacina proveniente da China, a mais próxima de ser disponibilizada aos brasileiros, pois é bem provável que o partido comunista chinês use o pretexto de uma pandemia para inocular no sangue dos outros povos o vírus do temível comunismo. É um prognóstico horripilante e inaceitável, até mesmo para quem vive de subsídios do governo. Essa subvenção, aliás, é suficiente para satisfazer a ânsia de comprar quinquilharias nas lojas populares, aquelas que só vendem produtos…da China.

Voltando ao meu partido, creio que as minhas sinceras e modestas pretensões de desenvolvimento social perderam uma oportunidade de ajudar a escrever a história do pais. Mas, não há quem consiga me dissuadir da pertinência das minhas motivações, por isso, penso em vender a sigla para algum político com maiores recursos e uma índole mais prática do que a minha.

É uma maneira, ainda que indireta, de me fazer presente no Congresso Nacional, quem sabe até ter o meu nome registrado em alguma ata, e com isso conseguir um salvo conduto para ingresso mais produtivo naquelas casas. Afinal, o Parlamento é um ótimo lugar para se fazer negócios.

Photo by Ibrahim Rifath on Unsplash