O Patriotário de Porto Alegre

A câmara de vereadores de Porto Alegre promulgou o dia municipal do patriota, definindo o 8 de janeiro para comemoração. Dois aspectos da lei despertam a curiosidade. Primeiro, esse dia é o mesmo da invasão do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal por simpatizantes do ex-presidente; segundo, o autor do projeto é um bolsonarista que, inclusive, foi cassado pouco depois de concluir esse jocoso trabalho.

Deve ser mera coincidência, afinal de contas, o porto-alegrense é um povo que nutre profundos valores cívicos, tanto que elegeu para prefeito um bolsonarista convicto, para se manter alinhado com o espírito que orientava a nação em Brasília. Aliás, nosso dignatário municipal se omitiu diante da lei, deixando que a promulgação acontecesse automaticamente.

A ideia me parece bem adequada à capacidade dos meus conterrâneos de se ocuparem com problemas sérios, inclusive defendo que a data seja tornada feriado municipal, para que os habitantes da cidade possam ir a Brasília repetir os fatos heroicos do célebre movimento patriota ocorrido em 2023. E para concretizar o ideal desse patriota certamente haverá uma estátua.

Minha sugestão é que se aproveite aquela imagem que circulou pela internet de um sujeito defecando em cima de uma mesa. Não há representação mais adequada para traduzir a nova lei porto-alegrense do que um homem cagando em cima de uma mesa. Essa estátua poderia ser uma réplica do laçador, em posição fecal, pilchado, no espaço onde anualmente acontece o acampamento Farroupilha, um dos grandes orgulhos do povo gaúcho, por si já tão imbuído de civismo.

Soltar as rédeas desse sentimento que sufoca o peito dos gaúchos é uma iniciativa sublime, pois é o amor pela pátria o principal fator de fortalecimento de uma comunidade, por isso, aproveito o momento propício para propor novas efemérides.

Por exemplo, o “Dia do Otário”, para evocar aquele sujeito que enviou PIX para o ex-presidente pagar uma multa, e ele não pagou a multa e ainda investiu o dinheiro em aplicação financeira. Como isso não ocorreu num dia preciso, nada impede que os dois eventos venham a coincidir na agenda dos festejos oficiais.

Daí teríamos o patriotário, um personagem cada vez mais presente na sociedade brasileira. Homenageando, por extensão, a todos os bolsonaristas, habitantes da terra plana que ainda não se convenceram de que o mito deles não passa de um grande corrupto, que ocupou os quatro anos de mandato presidencial para praticar os mais variados crimes, entre eles, o de desviar o patrimônio público em benefício pessoal.

Certamente há outros aspectos da capital gaúcha que mereceriam ser contempladas com uma lei semelhante. Por exemplo, O “Dia do Alagamento das Ruas da Cidade”. Esse evento ocorreria no mês de julho, quando as chuvas frequentes nos transformam numa Veneza provinciana, sem as obras de arte. O símbolo poderia muito bem ser uma cópia da Arca de Noé. Afinal, nada mais arcaico do que a mentalidade dos nossos representantes municipais.

O “Dia do Ônibus Atrasado”, outro projeto que teria adesão unânime das populações de baixa renda, aquelas que dependem do transporte público para se locomover. E como ilustração, uma maquete de uma parada de ônibus num dia de chuva, abarrotada de gente esperando sem saber se passará algum veículo pelo local. Alguns já passando mal, outros dormindo sobre um banco (se houver um). A maioria, claro, com cara de desespero e humilhação.

Também caberia instituir “O Dia do Negacionista”, para laurear essas criaturas que se recusam a acreditar em qualquer informação com base científica, ou produto de reflexão intelectual. Se for um conhecimento advindo de um profundo estudo da História, então, nem se fala. Pois são esses mesmos pessoas que negam a tentativa de golpe na ocasião já referida, e creditam as sandices patriotas ao exercício da liberdade de expressão.

Claro está que se trata de gente que se negou a estudar qualquer coisa que se refira à tão cultuada liberdade de expressão, que torna o equívoco até compreensível, embora não necessariamente aceitável. Há também a possibilidade de eles se negarem a aceitar a reverência, sob suspeita de alguma cilada da esquerda.

Não se pode esquecer ainda o “Dia do Golpista”, cuja cerimônia realizar-se-á no 31 de março; o patrono não poderia ser outro senão o nosso ex-presidente da república, inspirador do espírito de muitas leis que andam aparecendo por aí.

O importante é que os vereadores porto-alegrenses estão atentos às mentalidades e movimentos da sociedade, para atendê-las com leis representativas. Deixemo-los trabalhar em paz e desejemos sucessos nas sublimes iniciativas. Dá até para imaginar cada um deles com uma miniatura em ouro da estátua do patriota sempre à mão, no gabinete ou nas sessões plenárias. Um talismã para orientar o trabalho legislativo, que, com essa lei, se tornou uma síntese das duas atividades que caracterizam o patriota e um vereador. Votando e cagando. Cagando e votando.

Foto de Towfiqu barbhuiya na Unsplash