Viña Tondônia

A vida de enófilo obstinado proporciona momentos interessantes. Como achar um vinho que a gente deseja desde muito tempo. A paixão por vinhos e livros me levou a unir os dois num processo de estudo que junta a teoria e a prática. Por isso, quando leio sobre um vinho que me desperta algum interesse, quero logo degustá-lo para não perder o ritmo do aprendizado. Foi assim com esse Viña Tondônia. No livro Gosto e Poder, de Jonathan Nossiter, li que a vinícola López de Heredia, localizada em Rioja, e que produz o Viña Tondônia, era uma das poucas da Espanha que não tinha sucumbido à globalização parkerizada. Só esse aspecto, o de ignorar Robert Parker, já me deixou com as papilas gustativas sedentas. Em busca de mais informações, descobri ainda que o vinho fica seis anos em barrica de carvalho e mais seis em garrafa, antes de ser comercializado. E uma sugestão para que fique de guarda ainda mais outros dez anos. Pela região de produção, só podia se tratar de tempranillo, o que significa um vinho, no mínimo, requintado.
Com essas credenciais, só havia uma coisa a fazer: partir pra uma degustação. Então, como um Parsifal em busca do Cálice Sagrado, eu me lancei à procura do vinho para encher o meu próprio cálice, que não é sagrado, mas me proporciona momentos de verdadeira epifania. Como não podia deixar de ser, pois as coisas mais importantes da vida são difíceis de conquistar, nas lojas de Porto Alegre simplesmente não existia nada dessa vinícola. Alguns vendedores sequer conheciam. Outros, mais bem informados, até poderiam conseguir por encomenda, mas o preço final e o tempo de espera não compensavam. Adiar o instante de uma degustação sublime, sim, desistir, jamais.
Mas, outro exercício saudável que pratico sempre que posso é viajar. Em maio de 2013, parti para Londres com uma lista de endereços de lojas, e a disposição de não voltar pra casa sem o meu troféu. Chegando lá, procurei a Berry Bros & Rudd, uma wine store que funciona no mesmo endereço desde o ano de 1698. O vendedor de lá não só conhecia o vinho, como não a menor dificuldade de encontra-lo. Espichou o braço e pegou uma garrafa. Reconheci logo pelas imagens vistas na internet. O inconfundível charme do vasilhame envolto naquela malha de arame fino, que antigamente tinha o objetivo de impedir que gaiatos mal intencionados misturassem vinho vagabundo àquele tão precioso néctar, e hoje, tem função meramente estética. A data registrada no rótulo era 1994, um Gran Reserva, produzido apenas em anos de colheita excepcional.
Na hora de abrir, nem me preocupei em confirmar se tinha sabor de cereja, se era terroso. Aliás, sempre que leio isso, fico imaginando se os enólogos comem terra para comparar com as sensações do vinho. Ao levar a taça ao nariz, senti um aroma meio adocicado extremamente agradável. Tão complexo que era difícil definir algum elemento e fazer aquelas descrições meio estapafúrdias dos manuais, onde os vinhos recendem às coisas mais extravagantes. Não me interessei, em suma, por aquele repertório que só serve para satisfazer o ego de esnobes e pedantes. E já no primeiro gole, o que mais chamou a atenção nessa degustação foi que o paladar não correspondia à expectativa criada pelo aroma. Era como se fossem dois vinhos diferentes: um pra cheirar e outro pra beber. Uma experiência de sensações duplicadas que interagem para provocar um prazer muito mais intenso.
O próprio Jonathan Nossiter, já mencionado, fala que o sabor do vinho depende muito das circunstâncias e do momento em que é degustado. Nesse caso, eu confirmei a teoria. Para mim, foi muito mais gratificante, por ser algo encontrado após um longo tempo de procura. Teve sabor de persistência recompensada.

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